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Kvass, a tradicional Russa

por Ana Maria Mazotto

   Kvass é uma bebida milenar russa deliciosa, refrescante, com sabor azedo, levemente efervescente e que lembra a cerveja. Também pode ter um sabor que lembra a sidra se feita com frutas. É consumida tradicionalmente na Rússia, Ucrânia, Lituânia e outros países da Europa Oriental. Essa bebida é tão antiga e tradicional que um livro de receitas de 1861 (Um presente para jovens esposas, tradução livre, de Elena Molokhovets), diz que beber kvass é um ato cultura que ajuda a definir um verdadeiro russo!  Se você achava que a vodka é a bebida nacional dos russos, é hora de rever seus conceitos.

 

   Reza a lenda que o kvass foi criado pelos camponeses, num período de escassez e necessidade de reaproveitamento de alimentos básicos. Pela facilidade de produção e benefícios que traz ao metabolismo, principalmente ao sistema gastrointestinal, passou a ser produzido em mosteiros, quarteis e hospitais. Apesar da origem humilde, no século 18 era especiaria mais popular entre todas as classes da sociedade e era adorada até mesmo pelo czar Pedro, o Grande. Hoje, todos bebem kvass. O teor alcoólico é baixo, não passa de 1,5%, e é consumido como refrigerante, inclusive por crianças. Na Rússia não é considerada como bebida alcóolica, mas não estamos na Rússia e se você tem menos de 18 anos, não experimente.

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Livro de Elena Ivanovna Molokhovets, Um presente para jovens donas de casa

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   A produção comercial só teve início no início do século 20, atingindo seu ápice durante Guerra Fria. Na extinta União Soviética, nem a Coca-cola, nem a Pepsi podiam ser vendidas por lá, e o Kvass se tornou uma bebida popular e muito consumida, recebendo o título de “Coca Cola Comunista". Atualmente, com a entrada de bebidas ocidentais na Rússia, o consumo de kvass reduziu, mas ele ainda é popular e é visto como um símbolo de patriotismo e uma forma de resistência aos produtos norte-americanos.

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   Atualmente, os benefícios do kvass são reconhecidos cientificamente. A análise dos microrganismos presentes no kvass mostraram a presença de Lactobacillus casei e Leuconostoc mesenteroides, duas bactérias conhecidas como probióticas. Além disso, o kvass pode conter também açúcares prebióticos como a isomaltotriose. Compostos prebióticos são componentes alimentares que não são digeridos e nem adsorvidos no intestino delgado e estimulam o crescimento e o metabolismo de bactérias benéficas como as bifidobactérias.

   Segundo o livro Culinaria Russia: Ukraine, Georgia, Armenia, Azerbaijan (de Marion Trutter), existem mais de 150 formas de preparar o kvass, que levam em conta os ingredientes da região em que é preparada. Apesar de existirem centenas de receitas diferentes para o Kvass o ingrediente principal é pão velho, de preferência seco e duro, se for de centeio, mais tradicional ainda, mas pode usar o pão de trigo ou de outros cereais. O fermento é fermento de pão, nossa tão querida levedura Saccharomyces cerevisiae, que também atente pelo nome de fermento biológico. O nome da bebida em russo é квас e significa justamente "fermento".  Ou seja, não poderia ser mais simples.

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   Como existem centenas de receitas de kvass, selecionei duas duas para descrever aqui, uma mais sofisticada e outra super simples.

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   A primeira receita é do produtor brasileiro Rogerio Sventkauskas e foi retirada da página Paladar Estadão.

 

Ingredientes

  • 1,2 litros de água para fervura

  • 200g de pão preto de centeio (de preferência os tradicionais dos países eslavos e bálticos, que são mais duros, secos e ácidos)

  • 100g de açúcar refinado

  • 40g de açúcar mascavo

  • 40g de mel

  • 1/5 maço de hortelã

  • 20g de uvas-passas

  • 2,3 g de fermento cervejeiro seco US05 ou 1/5 do pacote (encontra-se em casas de venda de insumos para produção de cerveja caseira)

 

Preparo

  1. Pré-aqueça o forno a 200°C por cinco minutos.

  2. Corte o pão preto em fatias e depois em palitos ou tiras horizontais.

  3. Coloque o pão numa bandeja e leve ao forno por 20 a 30 minutos. Atenção para não torrar demais o pão.

  4. Ferva a água numa panela e reserve.

  5. Transfira o pão para uma vasilha grande e adicione a água fervente. Cubra com um pano e deixe esfriar de um dia para outro.

  6. Adicione o fermento cervejeiro seco e deixe fermentar por dois a três dias, mantendo o recipiente coberto com o pano.

  7. Quando tiver fermentado, peneire o líquido com um coador de café ou tecido limpo e transfira para outra vasilha.

  8. Adicione o mel, o açúcar refinado e o mascavo, o maço de hortelã e as uvas passas.

  9. Mexa bem e deixe maturar por um período de oito horas a 24 horas. Deixe sempre o recipiente coberto por um pano.

  10. Filtre novamente e transfira o kvass para uma jarra, conserve na geladeira e consuma em no máximo dois dias.

 

 

 

A segunda receita foi retirada do livro a Arte da Fermentação [1]

Ingredientes

  • 200g de pão preto de centeio ou de pão de trigo

  • 1 litro e meio de água para fervura

  • Folhas de hortelã secas ou outras ervas (a gosto)

Preparo

  1. Corte o pão em pedaços grandes e seque-os no forno pré-aquecido por 15 min (ponto de torrada).

  2. Ferva água suficiente para cobrir o pão.

  3. Transfira o pão seco para um pote limpo (pode ser uma panela também)

  4. Adicione hortelã seca ou outras ervas (a gosto)

  5. Despeje a água, o suficiente para cobrir tudo.

  6. O pão vai flutuar, por isso empurre-o para baixo, para saber o tanto de água que é necessário. Dica: coloque um parto sobre o pão para mantê-lo submerso.

  7. Cubra o pote com um pano e deixo descansar durante a noite.

  8. Peneire o conteúdo do pote. Você pode usar um pano limpo (tipo morim) para coar e espremer o pão bem e assim recuperar o máximo de líquido.

  9. Descarte o pão espremido

  10. Verifique o volume de líquido recuperado e transfira o líquido para um pote, pode ser pode de conserva.

  11. Adicione para cada litro: 

Uma pitada de sal

35  ml de mel ou aproximadamente 30 g de açúcar

1/4 do suco de um limão

1/4 pacote de fermento biológico (4 colheres de sopa de  kefir de água também pode ser usadas como fermento)

 

12. Mexa bem

13. Cubra com um pano e deixe fermentando por um ou dois dias, mexendo sempre que possível.

14. Quando estiver borbulhando vigorosamente, está pronto para envasamento.

15. Transfira para garrafas bem fechadas (que retenham gás), quando estiver gasificada, leve para a geladeira e consuma como bebida refrescante. 

Dica para saber se o kvass está gaseificado: coloque algumas uvas passas na garrafa, elas subirão para o topo quanto a bebida estiver gaseificada.

Um pouco do kvass borbulhante pode ser reservado para ser utilizado como fermento para a próxima fermentação.

 

Se você se interessou pelo Kvass e quiser saber mais, recomendo a leitura desta matéria

https://paladar.estadao.com.br/noticias/bebida,ja-provou-a-bebida-russa-mais-tradicional-conheca-o-kvass,10000093072

 

Para mais receitas de kvass:

https://br.rbth.com/receitas/79154-bebidas-refrescantes-antigos-eslavos

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Referências

Dlusskaya E, Jänsch A, Schwab C, Gänzle MG (2008) Microbial and chemical analysis of a kvass fermentation. Eur Food Res Technol 227, 261–266

Jargin SV (2009) Kvass: A Possible Contributor to Chronic Alcoholism in the Former Soviet Union—Alcohol Content Should Be Indicated on Labels and in Advertising. Alcohol & Alcoholism 44, 529.

Katz SE (2014) A arte da Fermentação: explore os conceitos, e processos essenciais da fermentação ao redor do mundo. 1ª ed.  Editora Tapioca, São Paulo.

Marco ML, Heeney D, Binda S, Cifelli CJ, Cotter PD, Foligne B, Ganzle M, Kort R, Pasin G, Pihlanto A, Smid EJ, Hutkins R (2017) Health benefits of fermented foods: microbiota and beyond Current Opinion in Biotechnology 44, 94–102.

https://destemperados.clicrbs.com.br/bebidas/kvass-a-verdadeira-bebida-nacional-da-russia

https://www.goodreads.com/book/show/2313993.Culinaria_Russia 

Sobre o autor

Ana é professora de microbiologia na UFRJ e ministra as disciplinas de Microbiologia para a Nutrição e Bioprocessos Microbianos. É coordenadora de Extensão do Instituto de Microbiologia Paulo de Góes e do Laboratório de Biocatálise Microbiana. Também é coordenadora do projeto Microzinhando. 

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