Atualmente, o ágar-ágar é um componente fundamental em todos os laboratórios de microbiologia, pois se estabeleceu como o meio padrão para cultivo de fungos e bactérias. No entanto, há cerca de 140 anos, essa substância era utilizada exclusivamente para preparar sobremesas e outros pratos.
Fanny Angelina Hesse era esposa do médico Walther Hesse, um pesquisador de uma doença pulmonar desconhecida que afetava os trabalhadores das minas de urânio. O casal mudou-se para Berlim, onde Walther iniciou suas atividades no laboratório de Robert Koch, renomado como o pioneiro da microbiologia.
Angelina conciliava as responsabilidades domésticas e a criação de três filhos com o trabalho não remunerado no laboratório de Koch. Ela auxiliava seu marido na preparação de meios de cultura para o crescimento bacteriano e na limpeza de vidrarias e equipamentos. Após tentativas malsucedidas de cultivar microrganismos em meios de cultura à base de gelatina, ela sugeriu a Walther que utilizasse ágar-ágar, um extrato de algas marinhas, como alternativa para obter meios de cultura mais estáveis.
Diversos cientistas já haviam tentado solucionar o problema de isolar culturas bacterianas puras, porém, utilizando meios fluidos, todas as tentativas foram infrutíferas. Angelina aprendeu sobre o ágar com familiares que viveram na Indonésia, de onde o extrato de alga marinha era originário e tradicionalmente utilizado como ingrediente culinário, mantendo a textura de diversos pratos mesmo sob as elevadas temperaturas do Sudeste Asiático. Desde então, ela utilizava o ágar como substituto da gelatina, reconhecendo toda a versatilidade deste agente gelificante no preparo de compotas e geleias de frutas, ela teve a brilhante ideia de utilizá-lo para cultivar bactérias, resolvendo o problema da gelatina que derretia na estufa.
O ágar, introduzido por Angelina Hesse nos laboratórios, é altamente estável e permanece sólido mesmo em altas temperaturas, sua temperatura de fusão é de 80 ºC. Ademais, outras características permitem que ele seja adicionado aos meios de cultura: possui boa transparência em meios sólidos ou semissólidos, permitindo uma adequada identificação das colônias; não é metabolizado pelos microrganismos; não inibe o crescimento bacteriano; apresenta rigidez apropriada, suficiente para suportar os processos de inoculação, sem comprometer as propriedades de difusão de substâncias; não reage com outros componentes adicionados aos meios, tais como proteínas e açúcares fermentáveis; e pode ser esterilizado em autoclave, um equipamento que funciona como uma grande panela de pressão.
Em 1882, ao publicar o seu estudo sobre o bacilo da tuberculose, Koch mencionou que utilizou ágar em vez de gelatina. Nessa primeira referência a essa melhoria técnica que marcaria a microbiologia para sempre, ele não atribuiu crédito a Fanny Angelina Hesse nem mencionou o motivo que o levou a fazer essa substituição. Apesar de todos os esforços, tal contribuição nunca resultou em benefício financeiro para a família, que optou por não explorar o achado comercialmente.
Desse modo, uma dona de casa, dotada de uma perspicácia e intelecto excepcional, utilizou a culinária para revolucionar a ciência.
Referência:
A mulher que mudou para sempre a microbiologia – Meio de Cultura. Disponível em: <https://www.blogs.unicamp.br/meiodecultura/2021/08/23/a-mulher-que-mudou-para-sempre-a-microbiologia/>. Acesso em: 18 jul. 2024.
Fanny Angelina Hesse: a mulher que revolucionou a microbiologia com um ingrediente de cozinha. Disponível em: <https://g1.globo.com/ciencia/noticia/2024/07/13/fanny-angelina-hesse-a-mulher-que-revolucionou-a-microbiologia-com-um-ingrediente-de-cozinha.ghtml>. Acesso em: 18 jul. 2024.
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